13/06/2025

STJ: Seguro e fiança suspendem cobrança de crédito não tributário

Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a oferta de seguro garantia
e a fiança bancária pelo devedor suspende a exigibilidade de crédito não
tributário - multas de agências reguladoras e autarquias, por exemplo. A
única condição, segundo os ministros, é que a apólice tenha valor 30%
superior ao da dívida, para atender às exigências legais.
A decisão, da 1ª Seção, foi tomada em caráter repetitivo e deve ser seguida pelas
instâncias inferiores (Tema 1203). É importante porque, até então, a única
forma de suspender a exigência de crédito não tributário era o depósito em
dinheiro.
Em relação ao crédito tributário, não há entendimento a favor do contribuinte.
Em 2010, a 1ª Seção definiu que a fiança bancária não é equiparável ao depósito
em dinheiro para fins de suspensão da exigibilidade da dívida. Levou em
consideração o artigo 151 do Código Tributário Nacional (CTN), que não lista
esses produtos, e a Súmula nº 112 (Tema 378).
Embora a Lei de Execuções Fiscais (nº 6.830, de 1980) tenha sido alterada em
2014 para incluir o seguro e a fiança como formas de garantia, o STJ manteve
o posicionamento, por meio das turmas de direito público. Entende que “não
servem para a finalidade de suspender a exigibilidade do crédito tributário
cobrado” (REsp 1854357 e REsp 2001275).
No julgamento agora da 1ª Seção, o advogado Paulo Gustavo Medeiros de
Carvalho, que defendeu a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS),
sustentou que as hipóteses de suspensão do crédito não tributário estão no
artigo 38 da Lei de Execuções Fiscais. O artigo 9º, disse, apesar de permitir a
apresentação de seguro ou de fiança, não os equiparou ao depósito em dinheiro.
“Tanto é verdade que o parágrafo 4º estabelece de forma clara que só o depósito
em dinheiro faz cessar a responsabilidade pela atualização monetária e os juros
de mora”, afirmou.
Em seu voto, porém, o relator, ministro Afrânio Vilela, discordou dessa linha
de raciocínio. Ele aglutinou previsões de diversas leis para justificar o
entendimento. De acordo com ele, o artigo 9º da Lei de Execuções Fiscais lista
o seguro garantia e a fiança bancária entre as garantias possíveis da execução, o
artigo 835 do Código de Processo Civil (CPC) os equipara a dinheiro para fins
de substituição da penhora e o artigo 4º da Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro (LINDB) prevê que, quando a lei for omissa, o juiz pode
decidir por analogia.
Ele acrescentou que, na apresentação das garantias, o montante total discutido
deve ser acrescido de 30%, em obediência ao parágrafo único do artigo 848 do
CPC. E que cabe ao juiz avaliar a idoneidade da instituição financeira que
apresentou a garantia, e abrir espaço para que a parte contrária possa impugnar
a proposta, se houver motivo.
“Com todas as garantias que o sistema bancário e de seguros oferecem
atualmente, essa substituição traz não gravosidade à empresa, menor
vulnerabilidade, liberação de capital de giro e segurança bancária”, disse o
ministro Afrânio Vilela.
O entendimento já era majoritário no STJ desde 2019, quando a 1ª Turma
aplicou pela primeira vez o “método integrativo por analogia” e combinou o
CPC e a Lei de Execuções Fiscais para entender que as garantias são válidas
para suspender o crédito, "uma vez que não há dúvida quanto à liquidez de tais
modalidades de garantia, permitindo, desse modo, a produção dos mesmos
efeitos jurídicos do dinheiro” (REsp 1381254).
A 2ª Turma também passou a adotar o mesmo entendimento, consignando que,
“quanto aos créditos não tributários, a oferta de seguro garantia ou fiança
bancária tem o efeito de suspender a exigibilidade, não se aplicando a Súmula
112/STJ” (REsp 1919016).
Segundo advogados, o entendimento é positivo para as empresas. Janaína
Carvalho, sócia do Henrique Mourão Advocacia, defendeu a Amil em um dos
processos repetitivos e afirma que a principal vantagem para as empresas é não
ter que desembolsar o montante total discutido por meio de depósito em juízo.
Para ela, o impacto vai além do setor de saúde, que foi representado na maioria
dos recursos no STJ. “Toda e qualquer multa administrativa, ou seja, todo e
qualquer crédito não tributário, poderá ser objeto de discussão com o
oferecimento de seguro garantia ou carta fiança, e não mais por depósito em
dinheiro”, explica.
O entendimento aumenta as possibilidades para as empresas gerirem caixa e
investirem, segundo ressalta Arthur Mendes Lobo, sócio do Wambier,
Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados. “Com o entendimento
consolidado, os executados têm opção real e menos onerosa para garantir seus
recursos produtivos, enquanto o credor mantém seu direito, desde que a
garantia seja adequada”, diz.
Além disso, o seguro garantia e a fiança bancária são instrumentos altamente
regulados, conforme lembra Cristiane Romano, sócia de contencioso do
Machado Meyer. “Esses institutos são expedidos por instituições financeiras e
seguradoras, setores altamente regulados e com regramentos muito rígidos.
Também são instrumentos muito líquidos. Se o credor não pagar, o banco ou a
seguradora podem ser acionados", afirma.
Fernando Mendes, sócio do escritório Warde Advogados, concorda que tanto
o seguro garantia quanto a fiança são meios idôneos para garantir os direitos
tanto do credor quanto do devedor, pois “conforme entendimento do próprio
STJ, dá-se liquidez ao crédito do exequente, sem comprometer o capital do
executado, produzindo os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro”.
Entre outubro e dezembro de 2024, a Advocacia-Geral da União (AGU) abriu
um programa de transação para esse tipo de crédito. Segundo o mais recente
balanço parcial, foram recebidos 2.493 pedidos, com projeção de arrecadação
de R$ 3,62 bilhões em transações aprovadas. O valor pode chegar a mais de R$
4 bilhões após o fim da apreciação de todos os pedidos de adesão, informa a
AGU em nota.